Wikileaks
publica carta que revela: MS zombou de Guarani-Kaiowás
Redação
Portal
Vermelho/Agência Pública
30/10/2012
O
drama dos Guarani-Kaiowá, de Mato Grosso do Sul, chamou a atenção das redes
sociais nas últimas semanas, mas não tem comovido as autoridades do estado,
conforme demonstram documentos divulgados pelo Wikileaks.
Um comunicado
diplomático de março de 2009 relata uma visita do então cônsul norte-americano
no Brasil, Thomas White, ao estado. Sua comitiva manteve conversas com o
governador André Puccinelli (PMDB) e outras figuras de peso, como o então
presidente do Tribunal de Justiça do estado, Elpídio Helvécio Chaves Martins.
O telegrama, de 21 de
maio de 2009 e endereçado ao Departamento de Estado dos Estados Unidos pelo
Consulado de São Paulo, relata a visita do cônsul-geral e sua equipe ao Mato
Grosso do Sul. Segundo o documento, durante os quatro dias de visita, houve
reuniões com membros do governo federal e estadual, do setor privado e também
com lideranças indígenas.
O telegrama revela que a
ideia de que os Guarani-Kaiowá poderão ter mais terras demarcadas é vista com
desdém pelas autoridades locais.
“O governador Puccinelli
zombou da ideia de que a terra, num estado como o Mato Grosso do Sul, cuja
principal atividade econômica é a agricultura, poderia ser retirada das mãos
dos produtores que cultivam a terra há décadas para devolvê-la aos grupos
indígenas”, lê-se.
Além de Puccinelli,
entre os entrevistados estavam o então presidente do TJ-MS, Elpidio Helvecio
Chaves Martins e o presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso do
Sul, Sergio Marcolino Longen. Do outro lado da disputa, além de lideranças
indígenas (os guarani Otoniel Ricardo, Teodora de Souza, Edil Benites e
Norvaldo Mendes) foram ouvidos representantes de grupos que fazem a defesa dos
direitos indígenas, como o procurador Federal Marco Antonio Delfino e o
advogado do Conselho Indigenista Missionário Rogerio Battaglia, entre outros.
O desembargador Chaves
Martins, por sua vez, ponderou, na conversa com a delegação norte-americana,
que a demarcação de novas terras para os indígenas poderia ter efeitos
negativos – ao contrário do que reivindica o movimento indígena.
“Chaves advertiu que as
tendências ao separatismo nas comunidades indígenas – concentrando os índios em
reservas expandidas – só iriam agravar os seus problemas. Dourados tem uma
reserva vizinha, que Chaves previu que se tornará a ‘primeira favela indígena
do Brasil’ se persistir a tendência a isolar e dar tratamento separado aos
povos indígenas”, relata o cônsul.
Segundo defensores dos
direitos indígenas, a reserva de Dourados tem péssimas condições de vida em
função da sobrepopulação ocasionada pela falta de terras: são 11,3 mil pessoas
vivendo em 3,5 mil hectares.
O então presidente do
Tribunal de Justiça também reclamou de “calúnias” que as autoridades locais
sofrem dos ativistas, sendo acusadas de “tortura e racismo”, quando estão
simplesmente “tentando cumprir a lei”.
Segundo recentes
relatórios do Conselho Indigenista Missionário, há mais assassinatos entre
indígenas no Mato Grosso do Sul, e particularmente entre os Guarani-Kaiowá, do
que em todo o resto do Brasil: entre 2003 e 2011, foram 279 em MS, e 224 no
restante do Brasil. O estado também se destaca pelo número de suicídios entre
indígenas e outras mazelas, como desnutrição infantil.
Índios deviam “aprender
a trabalhar”
De modo geral, avalia o
comunicado diplomático, as autoridades locais acreditam que as demandas
indígenas pelas demarcações e o retorno ao estilo de vida tradicional “não têm
base”.
“Autoridades municipais
e estaduais perguntaram como os índios dali reivindicavam ser índios, se eles
‘usam carros, tênis, drogas’. Eles reclamaram dos subsídios públicos dados aos
índios, afirmando que eles deveriam ‘aprender a trabalhar como qualquer um’”,
relata ainda o telegrama.
O telegrama expressa a
conclusão de que não há “solução fácil” para o conflito em Mato Grosso do Sul.
Para os norte-americanos, apesar de estarem na posse das terras há décadas,
somente 30 a 40% dos agricultores devem ter títulos legais no estado – a
conclusão é baseada em uma estimativa do geógrafo Ariovaldo Umbelino de
Oliveira, da Universidade de São Paulo.
“Era difícil ver um meio
termo potencial no conflito entre índios e agronegócio em Dourados. Apesar de
os índios parecerem menos radicais do que, por exemplo, o não étnico Movimento
dos Sem-Terra (MST), eles parecem não menos dedicados à sua meta de recuperar
suas terras ancestrais, e a oposição dos proprietários parece igualmente
arraigada”, avalia o telegrama.
Para os americanos, a
situação das terras indígenas em MS e outras partes continuará apresentando
desafios à democracia brasileira nos próximos anos. “A única coisa que fica
clara é que, sem uma postura mais proativa do governo brasileiro, o assunto não
vai se resolver por si mesmo”, conclui outro comunicado de 2008 sobre o tema –
intitulado significativamente de “o desastre guarani-kaiowá”.
Nas últimas semanas, uma
carta da comunidade guarani-kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay (Iguatemi-MS)
deflagrou uma ampla campanha de solidariedade com esse povo indígena com base
especialmente na internet. A demanda básica dos Guarani-Kaiowá é pela demarcação
de terras: atualmente esse povo, o segundo maior do país, soma 43,4 mil
pessoas, vivendo em pouco mais de 42 mil hectares.
Na carta, os indígenas
afirmam não acreditar mais na Justiça brasileira e, diante do abandono do
Estado e das constantes ameaças de pistoleiros, fazem, em tom dramático, o
pedido para que seja decretada a “morte coletiva” dos 170 Guarani-Kaiowá da
comunidade.
Fonte: Agência Pública
(texto e imagens)
Confira o documento
anexo em três partes:
Reproduzido
de clipping FNDC
de Portal
Vermelho
30
out 2012
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