“A mudança necessária no paradigma das comunicações não pode ter apenas caráter técnico. As novas ferramentas, as mídias sociais, sites e blogs da Internet são importantes, mas não são suficientes. As grandes transformações que precisam acontecer em Nuestra América necessitam de uma revolução na forma de comunicar. Não estou falando do momento eleitoral, em que essas ferramentas podem jogar um papel decisivo. Em termos de mudança de consciência, por exemplo, ou de erradicação de preconceitos, ou de respeito aos direitos humanos, nada vai mudar se as corporações privadas de mídia continuarem donas de oligopólios a serviço da exploração dos povos.
Em outras palavras: enquanto vigorar a propriedade cruzada – mesmo grupo controlando jornal, rádio e televisão na mesma praça; enquanto meia dúzia de empresas capitalistas forem donas de mais de 90% da audiência e da maior parte das verbas públicas publicitárias; e enquanto esses grupos continuarem, como no Brasil, a ter mais influência junto aos parlamentares do que os cidadãos que os elegeram.
Democratizar televisão, rádio e jornais é importante porque a mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produção e reprodução de subjetividades. Ou seja, a mídia determina formas de sentir, de pensar e de agir dos indivíduos e, conseqüentemente, influencia posicionamentos da sociedade como um todo. Se divulga mensagens de ódio, se divulga informações distorcidas, então teremos um povo irracional e desinformado, caldo de cultura perfeito para a violência. Por outro lado, se a mídia divulga informações corretas e mensagens de respeito ao outro, então será mais provável criarmos uma sociedade mais harmônica.
O governo do presidente Lula seguramente avançou mais que o anterior, pois além da TV Brasil está em curso o Plano Nacional de Banda Larga, que pretende universalizar o acesso à Internet de alta velocidade. Entretanto, em comparação com nossos vizinhos, estamos atrasados. O Brasil perdeu sua grande chance com o decreto da TV Digital, quando era possível ter investido na multi-programação e fomentado a participação de novos atores no cenário da radiodifusão.
Estamos atrasados não apenas por conta das dificuldades do governo atual. Toda a esquerda brasileira tem enorme dificuldade de compreender a importância dos meios de comunicação de massa para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Partidos políticos, estudantes, sindicalistas, integrantes de movimentos sociais organizados, acadêmicos, artistas. A tendência ainda é acreditar que se pode negociar com as corporações privadas, em vez de modificar a atual estrutura – o que, diga-se de passagem, seria apenas cumprir a Constituição de 1988. A história recente do Brasil nos oferece incansáveis provas de que essa crença não passa de uma ilusão, incluindo o fato de as últimas duas eleições terem sido levadas para o segundo turno, sem falar da famosa manipulação do debate em 1989. Vamos ver se a nossa esquerda acorda, e se acorda a tempo”.
Marcelo Salles . Jornalista
Publicado no Boletim do IELA, Instituto de Estudos Latino-Americanos/UFSC/Florianópolis em 28 out 2010.
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